Por: Carlos Róstão
Promotor de Justiça
Comarca de Grajaú-MA
"Doutor, não cometi nenhum crime, afinal de contas, eu não tive culpa”
Todas as vezes que se tem notícia de um acidente
grave no trânsito - sobretudo, quando há vítimas fatais - é muito comum
surgirem especulações acerca da existência, ou não, de crime.
Tais questionamentos começam em função da expressão
empregada, já que, normalmente, nesses casos, diz-se que ocorreu um “acidente”.
Esse termo acaba por causar certa confusão, pois
muitos costumam associá-lo ao fato derivado do acaso, ou do azar, como os provenientes
de caso fortuito ou de força maior, que excluiriam o seu caráter criminoso.
A expressão “acidente” costuma, porém, no mais das
vezes, ser empregada de forma genérica, com conotação ampla, abrangendo,
portanto, eventos onde também subsistem uma, ou mais, figuras criminosas.
Se um sujeito “JOSÉ”, por exemplo, na condução de
seu automóvel e desejando a morte, atropela e mata o seu desafeto “JOÃO”, que
caminhava tranquilamente pela calçada, não há nenhuma dificuldade em entender
que JOSÉ matou JOÃO, logo, deve responder pelo crime previsto no art. 121, do
Código Penal.
Há, entretanto, uma enorme dificuldade de
compreensão da existência de crime no trânsito, nos casos onde o condutor do
veículo não tem a intenção de causar o resultado morte.
Imagine-se, agora, que “JOÃO”, pilotando sua
motocicleta em alta velocidade, ao voltar de uma festa, já amanhecendo, tira um
cochilo e cai, derrubando também “RITA”, que vinha na garupa, e que acaba
ficando paraplégica.
Numa outra hipótese, “JOÃO”, moto-taxista, ao frear
bruscamente, leva ao chão uma criança com menos de 07 anos de idade e sem
capacete, que era transportada na garupa. A criança bate a cabeça e morre.
Diante da notícia de tais fatos, ouvir-se-ia,
certamente, colocações do tipo: “Tadinho, ele não teve a intenção por isso não
há crime...” ou “Coitado, ele é muito trabalhador e não quis causar
nenhum mal, portanto, não teve culpa...”, ou, finalmente, “Foi Deus que quis
assim, pois era a hora...”.
Tudo isso em virtude da grande dificuldade em
compreender-se a existência de crimes onde não se exige que o agente tenha
desejado o resultado, e da confusão que há entre os conceitos de dolo e culpa.
A definição de “dolo e “culpa” encontra-se no
Código Penal Brasileiro que assim prescreve:
Art. 18 - Diz-se o crime:
Crime doloso
I - doloso, quando o agente quis o
resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;
Crime culposo
II - culposo, quando o agente deu causa
ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.
Parágrafo único - Salvo os casos
expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão
quando o pratica dolosamente.
Apesar da clareza da lei, no senso comum,
acredita-se que somente há crime de homicídio ou lesão corporal, no trânsito,
se houver a intenção, ou seja, o “dolo”.
De regra, só há realmente crime quando há a
intenção de produzir o resultado, ou seja, com o “dolo”, salvo, porém, conforme
o parágrafo único, nos casos ressalvados em lei.
É exatamente o que ocorre com a lesão corporal e o
homicídio culposo praticado na condução de veículo automotor, excetuados pelo
Código de Trânsito com a seguinte redação:
Dos Crimes em Espécie
Art. 302. Praticar homicídio culposo na
direção de veículo automotor:
Penas - detenção, de dois a quatro
anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para
dirigir veículo automotor.
Art. 303. Praticar lesão corporal
culposa na direção de veículo automotor:
Penas - detenção, de seis meses a dois
anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para
dirigir veículo automotor.
É fácil constatar, assim, que se alguém (como nos
exemplos citados inicialmente) distrai-se na condução de um veículo automotor
e, por negligência, imprudência ou imperícia, causa lesão corporal ou a morte
de outrem, comete um dos crimes acima descritos.
Mesmo que se diga que houve um “acidente”, está
claro que tal fato configura na verdade crime previsto no CTB (Código de
Trânsito Brasileiro), exatamente, por que não houve a intenção (dolo) e sim, a
culpa em sentido estrito.
È necessário compreender, portanto, que o que o
legislador deseja punir, nos casos de crimes culposos, não é a intenção do
agente (normalmente lícita), mas a falta do dever de cuidado, o desleixo,
resumindo, a negligência.
Bom, mas e se essas condutas culposas (sem
intenção) não fossem punidas criminalmente, como muitos “acham”, definindo-se
como crimes somente as condutas onde houvesse realmente a intenção de causar o
resultado morte ou lesão corporal?
Muito simples! Nesse caso, se alguém causasse lesão
corporal ou mesmo a morte de outrem por não verificar os freios, deixar de
acender os faróis, andar na contramão de direção, com excesso de
velocidade ou enfim, por qualquer outro ato de imprudência, bastaria dizer para
o Promotor:” Doutor, não cometi nenhum crime, afinal de contas, eu não tive
culpa”
Concluindo, um verdadeiro caos.
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