quarta-feira, 27 de março de 2013

O DOLO, A CULPA E O CAOS NO TRÂNSITO


Por: Carlos Róstão
Promotor de Justiça 
Comarca de Grajaú-MA

"Doutor, não cometi nenhum crime, afinal de contas, eu não tive culpa”


Todas as vezes que se tem notícia de um acidente grave no trânsito - sobretudo, quando há vítimas fatais - é muito comum surgirem especulações acerca da existência, ou não, de crime.

Tais questionamentos começam em função da expressão empregada, já que, normalmente, nesses casos, diz-se que ocorreu um “acidente”.

Esse termo acaba por causar certa confusão, pois muitos costumam associá-lo ao fato derivado do acaso, ou do azar, como os provenientes de caso fortuito ou de força maior, que excluiriam o seu caráter criminoso.

A expressão “acidente” costuma, porém, no mais das vezes, ser empregada de forma genérica, com conotação ampla, abrangendo, portanto, eventos onde também subsistem uma, ou mais, figuras criminosas.

Se um sujeito “JOSÉ”, por exemplo, na condução de seu automóvel e desejando a morte, atropela e mata o seu desafeto “JOÃO”, que caminhava tranquilamente pela calçada, não há nenhuma dificuldade em entender que JOSÉ matou JOÃO, logo, deve responder pelo crime previsto no art. 121, do Código Penal.

Há, entretanto, uma enorme dificuldade de compreensão da existência de crime no trânsito, nos casos onde o condutor do veículo não tem a intenção de causar o resultado morte.

Imagine-se, agora, que “JOÃO”, pilotando sua motocicleta em alta velocidade, ao voltar de uma festa, já amanhecendo, tira um cochilo e cai, derrubando também “RITA”, que vinha na garupa, e que acaba ficando paraplégica.

Numa outra hipótese, “JOÃO”, moto-taxista, ao frear bruscamente, leva ao chão uma criança com menos de 07 anos de idade e sem capacete, que era transportada na garupa. A criança bate a cabeça e morre.

Diante da notícia de tais fatos, ouvir-se-ia, certamente, colocações do tipo: “Tadinho, ele não teve a intenção por isso não há crime...” ou “Coitado, ele é muito trabalhador e  não quis causar nenhum mal, portanto, não teve culpa...”, ou, finalmente, “Foi Deus que quis assim, pois era a hora...”.

Tudo isso em virtude da grande dificuldade em compreender-se a existência de crimes onde não se exige que o agente tenha desejado o resultado, e da confusão que há entre os conceitos de dolo e culpa.
A definição de “dolo e “culpa” encontra-se no Código Penal Brasileiro que assim prescreve:

Art. 18 - Diz-se o crime:
Crime doloso
I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;
Crime culposo
II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.
Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

Apesar da clareza da lei, no senso comum, acredita-se que somente há crime de homicídio ou lesão corporal, no trânsito, se houver a intenção, ou seja, o “dolo”.
De regra, só há realmente crime quando há a intenção de produzir o resultado, ou seja, com o “dolo”, salvo, porém, conforme o parágrafo único, nos casos ressalvados em lei.

É exatamente o que ocorre com a lesão corporal e o homicídio culposo praticado na condução de veículo automotor, excetuados pelo Código de Trânsito com a seguinte redação:

Dos Crimes em Espécie
Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:
Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Art. 303. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor:
Penas - detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

É fácil constatar, assim, que se alguém (como nos exemplos citados inicialmente) distrai-se na condução de um veículo automotor e, por negligência, imprudência ou imperícia, causa lesão corporal ou a morte de outrem, comete um dos crimes acima descritos.

Mesmo que se diga que houve um “acidente”, está claro que tal fato configura na verdade crime previsto no CTB (Código de Trânsito Brasileiro), exatamente, por que não houve a intenção (dolo) e sim, a culpa em sentido estrito.

È necessário compreender, portanto, que o que o legislador deseja punir, nos casos de crimes culposos, não é a intenção do agente (normalmente lícita), mas a falta do dever de cuidado, o desleixo, resumindo, a negligência.

Bom, mas e se essas condutas culposas (sem intenção) não fossem punidas criminalmente, como muitos “acham”, definindo-se como crimes somente as condutas onde houvesse realmente a intenção de causar o resultado morte ou lesão corporal?

Muito simples! Nesse caso, se alguém causasse lesão corporal ou mesmo a morte de outrem por não verificar os freios, deixar de acender os faróis, andar na contramão de direção,  com excesso de velocidade ou enfim, por qualquer outro ato de imprudência, bastaria dizer para o Promotor:” Doutor, não cometi nenhum crime, afinal de contas, eu não tive culpa”

Concluindo, um verdadeiro caos.


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