O sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, autor do Mapa da Violência e ex-diretor de Pesquisa do Instituto Sangari, acredita que a situação da violência no Brasil é a de pandemia.
“A epidemia é um surto eventual, a pandemia é um problema estrutural e
mais difícil de cuidar. A violência entre nós está incorporada”,
destacou o sociólogo que já foi coordenador de Pesquisa e Avaliação da
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco) no Brasil.
Há quase uma década e meia fazendo mapas da violência no Brasil, o
sociólogo avalia que a identificação do brasileiro como “homem cordial”
não se sustenta pelos dados estatísticos. “A sociedade brasileira é tão
violenta quanto qualquer outra latino-americana”, diz, contrariando a
interpretação mais usual do termo cunhado pelo historiador Sérgio
Buarque de Hollanda (morto em 1982).
No livro Raízes do Brasil (de 1936), considerado clássico das
ciências sociais no Brasil, Sérgio Buarque cria o conceito de
cordialidade. O termo, no entanto, é erroneamente usado no senso comum
como sinônimo de gentileza e solidariedade – padrões que não são
identificados nos dados avaliados no Mapa da Violência, elaborado há 14 anos por Jacobo.
“Há, no Brasil e em outros países vizinhos, uma cultura de
desvalorização da vida do próximo. Em países de outros continentes, os
conflitos são resolvidos com negociação”, compara o sociólogo, que é
argentino.
A origem do “homem cordial” está ligada à ideia daquele que se deixa
levar pela emoção em detrimento da razão – tipologia contrária à da
ética protestante de alguns países europeus, também estudada pelo
historiador - catálogo do arquivo de Sérgio Buarque está disponível online
na Universidade Estadual de Campinas. O padrão de violência, revelado
pelas pesquisas anuais de Jacobo, se aproxima mais desse sentido.
Para Jacobo, o elemento cultural formador do povo brasileiro juntamente
com a grande circulação de armas de fogo no Brasil são “uma mistura
explosiva”. Ele lembra que “a arma de fogo foi inventada para matar ou
ferir” e que, no país, “o Estado perdeu há muito tempo o monopólio da
violência”, em referência ao uso da força exclusivamente pela polícia e
pelas Forças Armadas.
Segundo o pesquisador, “o aparelho privado da violência” envolve
desde as firmas de segurança legalizadas, pagas por quem “vive sob
temor”, até as milícias que atuam de forma paralela ao Poder Público em
comunidades desassistidas pelo Estado, passando pela prática de “bicos”
nas horas de folga dos policiais e pela corrupção de agentes públicos.
“Não se chega a isso sem a cooptação irregular”, destaca.
Os estudos de Jacobo estão disponíveis no portal Domínio Público do Ministério da Educação. A última pesquisa do sociólogo, Novos Padrões da Violência Homicida no Brasil, também está disponível na internet.
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